As artes como meio de sensibilização e conscientização social

No primeiro trimestre de 2012, foi desenvolvida com os alunos do 9º. ano uma Sequência Didática que abordou gêneros e linguagens distintas.
Eles leram o conto “Trabalhadores do Brasil”, assistiram ao curta “Por causa de um tênis branco”, ambos de Wander Piroli, fizeram a leitura da pintura “Criança morta” de Candido Portinari e da fotografia de Kevin Carter, também compartilharam o conto “Uma vela para Dario” de Dalton Trevisan e o poema “O bicho” de Manuel Bandeira, além de assistirem ao documentário “Lixo extraordinário” – direção de Lucy Walker.
Entraram em contato com autores e obras diferentes, mas uma mesma temática esteve presente em todos esses trabalhos: o problema social. Este trabalho foi pensado para que os alunos, seguindo a filosofia Franciscana, se solidarizassem com as causas alheias, se sensibilizassem com o sofrimento do próximo e também o visse como seu semelhante, que deve ser respeitado.
O que se segue é uma verdadeira sequência de textos que traduzem um dos lados mais sensíveis de um escritor: o de, através das palavras, sensibilizar o leitor.

Dia a dia selvagem

por Camila Felix – 9º B

Entrava no ônibus azul, como em todas as outras manhãs, com todas as suas tralhas, materiais de trabalho, em direção ao centro. Já podia sentir o odor de seus companheiros que por ali teriam dormido. Arranjara um lugar a sentar-se, era seu dia de sorte! Ia cumprimentando e desejando um bom dia a todos que via, mesmo os mais desconhecidos.
Estava todo preparado e, ao chegar a um local movimentado da rua, decidiu-se que seu dinheiro hoje viria dali. Esperava a clientela, saudando uma a uma as pessoas que por ele passavam e tornava a reposicionar seus banquinhos, graxas e escovas a cada minuto que se passava. Seu José, Paulo Abreu e muitos outros clientes Moacir serviu naquele dia. Até chegar a criatura mais engraçada que veria em toda sua vida.
Não sabia se era mulher ou homem, porém com certeza era gente. Cumprimentou-o normalmente e pediu para que se sentasse. Passou-se um tempo, junto com a mais animada conversa que já tivera com alguém. A noite caiu então, e decidiu-se que já era hora de voltar à sua casa. A tal figura acompanhou-o até o ponto onde o ônibus viria lhe buscar e se despediriam calorosamente. Vinte minutos, meia hora, logo havia se passado e nada de ônibus. Resolveu, assim, virar a esquina para ver que diabos poderia ter acontecido.
Deparou-se com uma roda de gente em volta de um corpo caído ao chão e muita correria ao redor. Em carros, motos estavam todos parados apenas observando o horror da cena. Aproximou-se e reconheceu a figura de que tanto gostara mais cedo, neste mesmo dia, com a cabeça apoiada no rodapé da calçada, e letras formando a palavra “GAY” pichadas em sua pele.
E mais um dia de trabalho de Seu Moacir havia se passado na Grande São Paulo.

Dia a dia selvagem

Dia a dia selvagem

O assalto
por Letícia de Mattos Neves –  9 º A
 
Ainda no trabalho? Já devia ter ido embora, mas precisava ficar até mais tarde para terminar o trabalho. Precisava ir embora a pé, e as ruas ficam vazias e perigosas tarde da noite. Decide então ir pra casa.
Quase chegando em casa, atravessando a rua, vê uma pessoa. Negra, mal vestida. Para estar a essa hora em um bairro de classe média alta, deveria ser mendigo ou assaltante.
Deveria mudar de caminho? E se ele a seguisse? Estava chegando perto. Um foco de luz era suficiente para mostrar um rosto mal cuidado, desleixado, um rosto de um ladrão. Se mudasse de caminho, ia dar no mesmo, ele iria segui-la.
Chegando cada vez mais perto, agora somente uma única rua os separava. Podia ainda virar nessa próxima e última rua, mas ele estaria muito perto, não ia dar certo. Decide, então, não virar.
Chega então a hora: atravessando a última rua, há apenas dois passos, com o coração acelerado, segurando o fôlego e a bolsa, até que os dois passam lado a lado, em silêncio.
 

o assalto

Ramón e o Fogo
por Bruno Keffer – 9ºA
 
E ali estava, quase sempre, Senhor Ramón. Agora não mais senhor, e “Ramón” só para os íntimos, então nem de Ramón era chamado. Mas afinal, quem se importa? Aos olhos dos moradores da rua 7, ele era nada mais que um João Ninguém, e para muitos, um vagabundo, nome que era quase que um apelido para ele.
Antes dos Jornais e noticiários sobre ele, ninguém dessa rua falava nele, muito menos pensava nele. Mas agora, como nunca, falava-se nele desde o bar do Zé até o salão de beleza da dona Cristina, mas ninguém realmente o conhecia.
Ramón da silva Alves era seu nome. Pelo menos assim estava em sua certidão de nascimento, único documento que mostra que ele realmente existiu. Carregava consigo, além do documento, um colchão esfarrapado, e um cobertor tão áspero quanto o chão abaixo dele. Abandonou sua família, seus esposa, e todos que o amavam.
Coincidência grande foi a data de sua morte, dia dois de novembro, dia de finados. Atearam fogo em Ramón. Sem reação, morreu feliz, se libertou de seu inferno auto imposto, e as suas mágoas se queimaram com ele. Não fora o fogo, mas as mágoas que a ele consumiram.